segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Saúde da População Negra


Jurema Werneck, Isabel Cruz e Carla Moura Lima
O racismo é uma das principais causas da desigualdade no tratamento entre brasileiros, comprometendo a saúde e a vida de mais da metade da sociedade, 57%, segundo censo do IBGE de 2010. Ter uma política específica para a população negra é evidenciar e corrigir as distorções que impedem um tratamento igualitário de negros e negras. 

É disto que trata a política de saúde da população negra: o racismo faz mal à saúde para quem é vítima do racismo”, disse a médica Jurema Werneck, coordenadora da ONG Criola e integrante do Conselho Nacional de Saúde, em apresentação realizada na manhã do dia 23/11, na Ensp, durante a Conferência sobre Saúde da População Negra em debate: Uma política do SUS.


O evento, mediado por Carla Moura Lima, doutoranda em Ensino em Biociências e Saúde no Instituto Oswaldo Cruz e membro do GT de Educação Popular em Saúde da Abrasco, teve como cenário o Ano Internacional dos Afrodescendentes, o Dia da Consciência Negra e a Mobilização Pró-Saúde da População Negra. Estimular a discussão sobre a importância de políticas públicas que contemplem a população de afrodescendentes, incluindo a sua saúde, foi a proposta da conferência, organizada pela Cooperação Social da Ensp em parceria com sua Vice-Direção de Ensino, que contou com a presença de Isabel Cruz, do Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra - Nesen/UFF e membro titular do Comitê Nacional de Saúde da População Negra do Ministério da Saúde.

O conceito de saúde da população negra baseia-se em três pilares, que se não forem considerados, nada se alterará: racismo – presente nas relações sociais, nas instituições e nas políticas públicas; disparidades – diferenças na incidência, prevalência, mortalidade, carga de doenças e outras condições de saúde adversas; e cultura afro-brasileira – processos de diagnóstico, alívio e cura que devem ser conhecidos e valorizados. “O racismo continua de variadas formas e, todo mundo sabe. Estamos ainda perdendo os nossos de causas que poderiam ser evitadas”, salientou Jurema Werneck.


As resistências para a implementação da política são grandes e estão em todas as instâncias governativas, que não enfrentam um aspecto importante que é o racismo institucional, a ser combatido inclusive na formação do profissional de saúde. “A sociedade civil precisa continuar a enfrentar o racismo, que ainda não acabou, assim como precisa continuar mobilizada participando”, disse Jurema Werneck elogiando a iniciativa do fomento à gestão participativa por meio dos conselhos de saúde e pontuou ser fundamental a inclusão deste tema em sua pauta de debates. 


Carla Moura Lima diante das críticas sobre a pouca ressonância deste debate no meio acadêmico, lembrou que há pesquisadores engajados e que são penalizados, como ocorre com dois da Fiocruz, processados pela ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico, por divulgarem os impactos ao ambiente e aos moradores em uma área de Santa Cruz. “Espero que esta seja uma primeira provocação para a discussão da saúde da população negra aqui nesta instituição. Porque se a Fiocruz formar quadros combativos e qualificados não é pouco para contribuição do SUS. Debates como estes são fundamentais para enriquecer a formação dos pesquisadores e profissionais da saúde, e quem sempre é a população, quando se debate sobre a saúde da população negra.”

Sem a compreensão de que o racismo contamina a todos, e que muitos dos problemas que atingem as comunidades de baixa renda têm como pano de fundo o racismo naturalizado e internalizado na sociedade brasileira, será impossível transformar a máxima de que pobreza tem cor: a preta ou negra. Esta reflexão defendida por Isabel Cruz, professora titular de Enfermagem da UFF,está baseada nos indicadores sociais com recorte racial que mostram o persistente abismo entre negros e brancos, que demonstra estar o problema relacionado com os gestores, os políticos eleitos pela sociedade, os administradores.

“Eles têm a noção do coletivo e não tomam as providências para contenção destas iniqüidades, destas disparidades. A sociedade se constitui de uma perversidade em que, até as pessoas que teoricamente deveriam estar protegidas de situações adversas, por conta de sua origem, de sua condição racial, são aviltadas, mortas. Porque o olhar do discriminador vê o negro, e não uma pessoa, um ser humano, mas uma coisa que ela despreza. Assim como esta pessoa é vista também como uma ameaça ao seu poder na sociedade. Porque esta luta também é de poder.”

Um caminho possível de diálogo, mas também uma provocação, foi apresentada por Isabel Cruz ao público presente ao debate constituído de pesquisadores, profissionais da saúde e moradores, muitos integrantes de conselhos gestores, de criarem nos conselhos gestores a discussão sobre as iniqüidades e desigualdades dentro do contexto em que estão atuando e a implantação de uma comissão da igualdade racial dentro das unidades de saúde, à exemplo da  comissão de infecção hospitalar.

Outro indicativo de solução apresentado pela palestrante é a pactuação de metas diferenciadas dentro das unidades de saúde, que devem constar do planejamento. “Devemos mostrar as disparidades e dizer que queremos metas diferenciadas. Eu quero zerar as desigualdades e tem que ter propostas de ações para isto. É este tipo de atitude, como tem o nome de uma ONG em Manguinhos, Mulheres de Atitude, então temos que ter homens de atitude, idosos de atitude, homossexuais de atitude, gordos de atitude, todo mundo tem que ter atitude. É chegar na mesa de negociação e dizer que quer isso e aquilo.”

Como proposta de encaminhamento do evento,  Mayalu Matos, da Cooperação Social da Ensp, afirmou que a campanha Pró-saúde da população negra durante o ano de 2012 estava sendo incluída no planejamento de trabalho da ACS/Ensp, e conclamou a colaboração dos presentes para estarem juntos nesta empreitada: “Espero contar com a colaboração de vocês também, a população de Manguinhos está aqui presente, parceiros, conselheiros” e acrescentou outro ponto importante a ser incluso na agenda de trabalho que é  levar este debate para dentro da Academia, da Fiocruz e da Ensp.

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