No ano de 2005, diante
da morte de centenas de jovens negros, organizações comprometidas com a luta
contra o racismo e pela vida, marchando pelas ruas de Salvador, se reuniram em
frente a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia e, na madrugada do
dia 13 de maio, realizaram uma vigília em protesto contra a política de
violência e eliminação de jovens negros instituída por meio da ação e/ou
omissão do estado, mas que também afetava familiares e amigos desses jovens.
Desde então a Quilombo
Xis - Ação Cultural Comunitária impulsionando a Campanha Reaja permanece nas
ruas favelas e cadeias, denunciando e combatendo a brutalidade policial e a
falência do sistema de justiça criminal perante um estado democrático de
direitos, que escolheu como seu principal inimigo a população negra, quando
atinge diretamente jovens negros, violentando-os, encarcerando-os e
executando-os, estendendo a violência aos seus familiares e amigos.
Salvador |
Apesar destes oito anos
de denúncias da Campanha Reaja para os organismos nacionais e internacionais de
direitos humanos (ONU- Organização das Nações Unidas, OEA – Organização dos
Estados Americanos), os números de mortes violentas por ação ou omissão estatal
não tem se modificado. Conforme demonstram os dados do Mapa da Violência publicados
no ano de 2013, entre 2004-2007 morreram 169.574 jovens e destes 116.274 eram
negros. Enquanto houve uma queda em torno de 20% da taxa de morte dos jovens
brancos, a taxa de morte de jovens negros aumentou em torno de 30% naquele
mesmo período. As taxas de homicídio no país são mais altas que os países em
guerra ou com algum tipo de conflito declarada. Em 2010,
a taxa de
homicídios de jovens negros no Brasil, foi de 27,4/100.000. Em 2011 4071 jovens
negros morreram no Estado da Bahia. Há um diferencial de + 153.4% da
vitimização negra em relação a vitimização branca.
Estes índices apontam
que os projetos de segurança pública aplicados em todo o território nacional
como resposta aos números que representam o genocídio do povo negro dizem
respeito a medidas arbitrárias e na contramão de todos os postulados e acordos
internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. A
instalação de bases comunitárias de segurança revelam a invasão e ocupação de
bairros negros pelas polícias militares (militarização),ofendendo direitos e
garantias fundamentais que dizem respeito as liberdades constitucionais. O
investimento do estado Brasileiro no complexo industrial carcerário justificado
pelo aumento do número de pessoas encarceradas no país, aquece a indústria da
violência e enriquece os verdadeiros empresários do crime. A exposição de
pessoas suspeitas de cometerem crimes com anuência de autoridades policiais
potencializam a criminalização da população negra e a banalização das vidas
pelos meios de comunicação não sérios.
As políticas e práticas
de segurança pública têm sido implementadas de forma que determinam quem está
incluído como cidadão e digno de proteção do Estado. Seguindo esta lógica, os
negros não estão. As mulheres negras têm uma localização central neste sistema,
como vítimas de uma violência visceral. O papel que as mulheres têm
desempenhado como mães, avós, tias, esposas, filhas, irmãs diante da morte e do
aprisionamento de homens negros, colocaram as mulheres em um espaço de cuidado
e de mantenedoras das suas famílias e suas comunidades e, portanto, e um espaço
de vulnerabilidade frente a violência infligida aos homens negros.
As mulheres negras são
as primeiras a serem acionadas quando uma filha/filho, irmã/irmão,
esposa/esposo ou amiga/amigo é atingida pela violência estatal. São as mulheres
que estão nos IMLs procurando e reconhecendo corpos mutilados ou alvejados. São
as mulheres negras que aguardam uma notícia que nunca receberão quando do
desaparecimento de um ente querido. São as mulheres negras que se dedicam a
recuperação das vítimas de violência do Estado, quando este deixa sequelas de
projetis de arma de fogo, espancamento e violência psicológica. Essas formas de
violência não atacam diretamente seus corpos, mas a violência a qual as pessoas
com as quais tem vínculo são submetidas levam inevitavelemtne a destruição da
memória, dos corpos e espíritos daqueles que lhes foram tiradas. Essas mulheres
negras estão sendo expostas, adoecidas e violadas. O sofrimento feminino negro
não é só perpetrado, mas é incentivado pelo Estado.
Assim, nosso manifesto é
em primeiro lugar pelo nosso direito de permanecermos vivas e vivos. Sem
estarmos vivas não podemos lutar pelos demais direitos. Estamos marchando para
que cessem a brutalidade e as violências contra mulheres e homens negros, que
tem sido mortos em razão de uma política de estado genocida, que escolhe suas
vítimas em razão da marca da ancestralidade que carregamos, qual seja: sermos
negros e negras.
Diante disto, honrando
nossa história em diáspora e a luta das nossas ancestrais que construíram ao longo
de séculos poderosas instituições políticas, culturais, sociais e militares
(Zeferina, N’zinga, Dandara, Maria Felipa) para a afirmação de nossa humanidade
e contra o modelo de estado que nos sequestra, violenta e vitimiza, exigimos a
discussão dos pontos que seguem abaixo:
1. Participação efetiva
das organizações negras de movimento social com força de deliberação na
construção de políticas de segurança pública e criminal e penitenciária
centrada nos direitos humanos;
2. Retirada de
circulação do baralho do crime, instrumento que viola princípios básicos de
dignidade humana e expõe o caráter racista da política de segurança pública do
Estado da Bahia;
3. Constituição de um
grupo de trabalho com efetiva participação social na instituição de Programas
de Proteção às Vítimas e Testemunhas, bem como, Programa de Defensores de
Direitos Humanos, com autonomia e pautado nos direitos da pessoa humana;
4. Atendimento integral
à saúde das pessoas vítimas de violência do estado e seus familiares, com sede na
Secretaria de Saúde do Estado da Bahia;
Salvador |
5. Discussão de uma
política sobre drogas. A respeito do debate sobre as políticas de drogas,
entendemos que a chamada “guerra às drogas”, além de representar retrocesso na
luta antimanicomial, se constitui como dispositivo de controle social,
criminalização e extermínio de pobres e negros. As ações de recolhimento e
internação compulsória de crianças e adolescentes, assim como da população
adulta em situação de rua, fazem parte do processo de higienização e elitização
das cidades, sobretudo nos períodos que antecedem grandes eventos esportivos;
6. Discussão da
descriminalização do uso de drogas. Uma vez que “guerra às drogas” tem sido
utilizada como justificativa para políticas de controle e extermínio, apontamos
a necessidade de descriminalização e legalização das drogas, acompanhadas do
fortalecimento de políticas de saúde pública e de conscientização sobre seu
uso. Afirmamos estes como passos fundamentais para a superação do quadro de
violações trazido pelo proibicionismo;
7. Sobre a “defesa
social”. É necessário conter o avanço punitivo do Estado que fortalece o
controle das populações através da ampliação das categorias consideradas
inimigas e que legitima práticas de repressão violenta a partir do discurso de
garantia da ordem e da defesa da sociedade. Esse poder punitivo violador, cuja
mais grave representação localizamos na atuação policial, opera-se também em
perversas práticas do Poder Judiciário e do Ministério Público. Um dos efeitos
mais drásticos do controle penal verifica-se no encarceramento em massa, tendo
o Brasil hoje a quarta maior população carcerária do mundo;
8. Pelo fim da revista
vexatória que além de estender a pena aso familiares e amigos de presas e
presos, humilha e expões mulheres negras em sua maioria, quando da entrada em
unidades prisionais, cuja prática é justificada pela entrada de armas de alto
calibre e grandes quantidades de drogas em genitálias de mulheres, homens e
crianças;
9. Pela não privatização
de prisões e unidades e serviços de saúde, bem como recursos humanos
capacitados e qualificados;
10. Desmilitarização da
polícia. Com relação às políticas de segurança pública o debate sobre a
desmilitarização é prioritário e urgente. A lógica militar impõe a perspectiva
da guerra e do confronto bélico na qual há um território a ser ocupado e um
inimigo a ser combatido. Os territórios em questão são favelas e periferias e o
inimigo, as classes populares. A gestão militar da segurança pública afirma-se
nas históricas operações e invasões policiais justificadas pela “guerra às
drogas” com Rangers e Pick-ups compradas com o dinheiro do Programa Nacional de
Segurança Cidadã, o PRONASCI e outros aparatos de guerra – como na diversas chacinas
e execuções, que deixam para trás centenas de mortos. Além disto, permite a
expansão de grupos de extermínio nas regiões periféricas da cidade,
configurando um controle “paramilitar” dessas áreas, o que gera formas
específicas de privação de direitos, assim como a implementação das Unidades de
Polícia Pacificadora(UPPs), batizadas na Bahia como Bases de Segurança Pública
que só levam o controle bélico, não havendo a implementação de serviços como
saúde, educação, coleta de lixo, cultura e lazer, como prometido pelas
autoridades.).
*Documento enviado por
José Raimundo (Thembi Sekou Okwui)
Mais informações –
https://www.facebook.com/ReajaOuSeraMortoReajaOuSeraMorta?fref=ts
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