Durante a semana de 3 a 6 de setembro,
quando se comemorou os 59 anos da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca da Fundação Oswaldo Cruz, foram promovidos diálogos sobre o futuro do
Sistema Único de Saúde (SUS) e movimentos sociais. O evento, aberto ao público, contou com ações diversificadas de saúde realizadas na tenda, montada no
pátio de entrada da ENSP, onde também ocorreram duas rodas de conversa: sobre
serviço civil obrigatório na saúde e violência e racismo.
A abordagem de questões como o racismo e a
violência no campo da saúde foi antecedida de palestras que divisavam a disputa
de vários campos ideológicos, como a de classes que é refletida nos serviços de
saúde.
Armando de Negri, do Instituto de Ensino e Pesquisa do
Hospital do Coração, colocou que "há uma disputa no campo da hegemonia
política, uma permanente negociação. No caso da saúde, não são todas as classes
usando os mesmos serviços de saúde.”
Para ele, o grande desafio brasileiro é a
desigualdade. A aproximação da realidade dos territórios sociais para fins da
gestão da saúde, no caso da gestão das políticas públicas, a instituição Estado
é fragmentada e setorialmente fraca para enfrentar os desafios, apresenta baixo
desempenho na garantia de direitos e redistribuição de riquezas, visão
distorcida do "território", sistemas de participação social
fragmentados, além das políticas públicas terem pouco impacto sobre os
determinantes da saúde. A estratégia de promoção da equidade em qualidade
de vida e saúde tem poder político no sentido de responder às necessidades das
forças sociais. “A estratégia desnaturaliza a escassez, desnudando a
contradição entre o necessário e disponível em termos de garantia de direitos
humanos e cidadãos”, concluiu.
Carlos Brandão, do
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Rural - conceito de território
social como produção do espaço social. “O capital do território é o conflito.
Quem é conservador pensa o território como localização. Discutir território ou
espaço tem relação com hegemonias e hierarquias”. Para ele, no “território”, há
três grandes campos de disputas: o poder privado, a falta de entendimento sobre
o que é o Estado, o poder das forças contra-hegemônicas de reagir às cadeias de
poder; por isso a importância de estudar sobre as classes sociais.
Entretanto, nos
debates promovidos nas rodas de conversa observou-se que para além das análises
sobre as classes sociais, verificou-se a necessidade de se aprofundar os
estudos sobre diferentes recortes, como o étnico-racial.
Nas rodas de conversa, atividade proposta
pelo Fórum de Articulação com os Movimentos Sociais e coordenada pelo Fórum de
Estudantes da Escola, reuniu dezenas de pessoas que formaram um grande círculo
na Tenda da Saúde. Entre os temas debatidos, estavam serviço civil obrigatório
na saúde, Programa Mais Médicos, formação em saúde, racismo, violência, desafios
do SUS, interiorização da medicina, entre outros.
Número de vítimas jovens negras aumenta
24%
Carla Moura Lima, doutoranda da Fiocruz - Dados sobre a
violência contra a população de jovens negros, divulgados pelo livro Mapa da
violência 2013 - Homicídios e juventude no Brasil, de Julio Jacobo Waiselfisz,
mostram o aumento de 24,1% de vítimas negras entre jovens cresceu de 11.321
(2002) para 13.405 (2011).
Fransérgio Goulart de Oliveira Silva, historiador que atua com projetos
voltados para jovens moradores de favelas do Rio de Janeiro: O Mapa da
violência esclarece que o Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério
da Saúde iniciou a divulgação de seus dados em 1979, mas só em 1996 começou a
oferecer informações referentes à raça/cor das vítimas, apesar dos elevados
níveis de subnotificação.
- De 2001 a 2011, morreram, vítimas de
assassinatos, 203.225 jovens. Nos anos extremos, os números são muito
semelhantes: pouco mais de 18 mil assassinatos. A população jovem está entre os
15 e 24 anos de idade. Nos estados e regiões que apresentam fortes quedas, como
as de São Paulo e Rio de Janeiro, os números diminuem 76,2% e 44,0%,
respectivamente. No Rio Grande do Norte, por exemplo, mais que quadruplica o
número de vítimas juvenis. No período analisado, as estatísticas chegam a
duplicar no Pará, Bahia e Maranhão.
- Fransérgio defendeu o rompimento com
ideologias como “somos um país pacífico”, porque, na discussão sobre violência
e racismo, não cabe esse pensamento, e de que o discurso do pacífico serve para
neutralizar a luta de classes.
Eduardo Stotz, pesquisador do Departamento de Endemias
Samuel Pessoa e coordenador do Fórum de Movimentos Sociais da ENSP: É essencial
aprofundar a relação institucional com os movimentos sociais, que expressam as
contradições da sociedade. “Saúde é luta e organização. Temos a obrigação de
levantar essas questões como o racismo. O enfrentamento não deve ser só
curricular, mas no campo das políticas de saúde.”
Tatiana Wargas, vice-diretora de Pós-graduação da
Escola: Considera uma contradição a entrada das Unidades de Polícia
Pacificadora em territórios de favela, uma vez que o tráfico de drogas também
afeta os espaços além das favelas. Ela disse ser importante a inclusão desses
temas em programas de pesquisa.
- Formação: Falta da história e cultura
brasileira na formação em saúde atualmente. A preocupação com a formação de
diferentes etnias e culturas existentes em nosso país também foi considerada.
- Mercantilização da medicina atribuída ao
modo de produção na formação médica.
- O reclame do Programa Mais Médicos é
legítimo, mas não devemos particularizar o problema. Refletir e comparar o SUS
de hoje e o de amanhã. O Mais Médicos não ocupa o lugar do médico brasileiro, e
sim o lugar ao qual ele não quer ir. Precisamos resgatar a história de lutas e
fortalecer o SUS com novas ideias e propostas.
- Corporativismo da categoria médica,
- O atual contexto político e a janela de
oportunidades aberta com as manifestações populares de 2013, além da política
de valorização da carreira pública em saúde e o papel dos meios de comunicação
na pauta nesse setor.
Encaminhamentos:
- Agenda permanente de debates com a
dinâmica participativa,
- Construção de uma nota de repúdio ao
racismo e a xenofobia sofrida pelos médicos cubanos em sua chegada ao Brasil,
- Carta sobre o Programa Mais Médicos
relacionada ao contexto político atual.
Informe ENSP/Fiocruz
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