quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Raça/cor, indicador de pesquisa, e violência contra juventude negra: questões de saúde pública


"É de extrema relevância conhecer o direito à saúde da população negra, que já é lei, para que possamos viver, de fato, em um país que compreenda a sua diversidade e reconheça a importância do quesito cor como um recorte em suas análises e reflexões", afirmou o representante da Mobilização Pró Saúde da População Negra, Juliano Gonçalves Pereira. 

A afirmativa foi feita durante o II Seminário Saúde da População Negra em Debate e Reunião da Juventude Pró-Saúde da População e a Reunião da Juventude Pró II Encontro Nacional da Juventude Negra (Enjune), realizado em 9 de novembro na ENSP. O encontro, que reuniu diversos pesquisadores da área, teve como foco o fortalecimento da temática a partir da problematização da questão racial.

No final da tarde, com apoio da Rede Saúde e Cultura, o evento foi encerrado com uma roda de jongo, samba de roda e ijexá, com a Cia Banto, no hall dos elevadores do quarto andar da escola.

A iniciativa integrou ainda a Mobilização Nacional Pró Saúde da População Negra que ocorre desde 2006, nos meses de outubro e novembro, por meio da realização de ações em todo Brasil. Segundo Juliano Gonçalves, um dos articuladores da ação, pensar em saúde da população negra é “pensar na saúde do país”. “A Mobilização em 2012 tem como slogan ‘Vida longa, com saúde e sem racismo’, tema fundamental para costurarmos as reflexões de que a saúde precisa ser integral para crianças, jovens, adultos (as) e idosos (as), pois quando observamos os dados, vemos que ainda temos muito a fazer para que o direito humano à saúde atinja todos (as), em especial no que tange à população negra”.


Na mesa de abertura estiveram presentes Taís Santos, Representante Auxiliar do UNFPA, Mônica Oliveira, Diretora de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção a Igualdade Racial (SEPPIR), Valcler Rangel, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Pablo Dias, coordenador de Ensino da Escola de Governo em Saúde da ENSP/Fiocruz, Juliano Pereira, da Rede Nacional de Controle Social e Saúde da População Negra e Cheila Marina, Coordenação de Vigilância e Prevenção de Violências e Acidentes do Ministério da Saúde.

TAÍS SANTOS –  A violência que atinge a juventude negra, principalmente os homens, é um problema social que também se reflete no setor da saúde. Entretanto, ela observa que não se pode perder de vista que as jovens negras em “idade produtiva e reprodutiva” também são vítimas do mau atendimento nos serviços. “Apesar da melhora substancial registrada na última década, a população negra, especialmente as mulheres negras, ainda apresentam piores indicadores socioeconômicos, bem como maiores taxas de adoecimento e morte por causas evitáveis, incluindo a morte materna”. Ao mesmo tempo em que o Brasil possui hoje a maior população jovem de sua história, o país atravessa acelerada transição demográfica. “Em 2050, 29% da população brasileira terá 60 anos ou mais, por isso é tão importante investir na grande população de jovens que temos atualmente”.

VALCLER RANGEL – Fiocruz: “O racismo é um processo que não se tem uma vacina. A vacina é muito debate, muito enfrentamento, muita discussão. Os indicadores mostram muita desigualdade, o processo precisa ainda passar por busca de evidências para entender quais são as motivações, muitas vezes classificados como uma questão meramente ideológica. É preciso que separemos as coisas. Vocês são fundamentais na formulação e execução desse processo”.

PRIMEIRA MESA - Epidemiologia e pesquisa em saúde da população negra: aprofundando o debate. Reuniu a representante da Coordenação Geral de Vigilância e Agravos de Doenças Não Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cheila Marina de Lima; a diretora de programas da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Mônica Oliveira; a pesquisadora do Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos em Saúde da ENSP, Dora Chor; e, Juliano Moreira, como mediador. “Devemos desenvolver novos meios de pesquisar e entender a diversidade que explode neste momento em que o país assume a responsabilidade de pensar a questão racial e a saúde da população negra. E a mudança de conduta e de olhar é importante para percebermos todas as nuances que perpassam a vida. Esse é um desafio premente”, disse Juliano na abertura da mesa.

DORA CHOR - "Por que não usar raça como recorte?". Não existe consenso nem pensamento único. Mas, em uma sociedade racial e socialmente construída como é a brasileira, que é única no mundo, é preciso, sim, levar em consideração o olhar raça e saúde como um dos indicadores de posição social. “Todos os determinantes são importantes, e raça deve ser um deles. Infelizmente, vemos de maneira clara que as desigualdades raciais em saúde não vêm sendo de forma suficiente estudadas na epidemiologia brasileira.” Ela disse que vivemos em um mundo no qual a onda de um pensamento conservador tem sido muito avassaladora. Portanto, mais do que nunca, “acredito que conjugar o universal – saúde para todos –, com o particular – grupos de estudos e defesa da população negra – é uma preocupação mais que atual”. Ela falou a respeito de sua linha de pesquisa em determinantes sociais e saúde e mostrou dados de diversos estudos sobre desigualdades sociais que participa. 

CHEILA MARINA DE LIMA - Em relação ao número de homicídios, os negros são as principais vítimas em todas as regiões, com exceção da Região Sul. As notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra a população negra, os dados do módulo Violências do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Viva Sinan), de 2011, mostram que as mulheres pretas e pardas somam 37% das notificações, enquanto as brancas representam 41% delas. E a violência física representa 67% das notificações de violência contra a população negra. Além disso, 66,7% desse percentual são sofridos pelas mulheres, e a principal faixa etária da população negra que sofre violência fica entre os 20 e 29 anos. Os homens são os principais agressores, responsáveis por 64% das notificações de violência contra a população negra. Entre eles, 70% tinham suspeita do uso de álcool. 

MÔNICA OLIVEIRA - Entre as diretrizes gerais da política estão: a ampliação e fortalecimento da participação do Movimento Social Negro nas instâncias de controle social das políticas de saúde; o incentivo à produção do conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra; a promoção do reconhecimento dos saberes e práticas populares de saúde, incluindo aqueles preservados pelas religiões de matrizes africanas; e o desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação, que desconstruam estigmas e preconceitos, fortaleçam uma identidade negra positiva. “A saúde, junto com a educação, foi uma das áreas que mais avançou do ponto de vista de promoção da igualdade racial no Brasil. Isso, com certeza, é devido à atuação do Movimento Social Negro. Ele tem capitaneado essa discussão no campo da saúde na última década.”

SEGUNDA MESA - A violência contra a juventude negra e o racismo institucional, questões alarmantes para a saúde pública. Participaram: Cheila Marina de Lima, SVS/MS; Mônica Oliveira, Seppir; Daivison Faustino, representante das Redes Negras em Saúde; e Gleidson Pantoja, representante do Fórum de Juventude Negra, como mediador. “Vive-se hoje um extermínio da juventude negra brasileira. Este é um momento de denúncia, e temos de nos apropriar desses espaços para que a sociedade brasileira possa ser incomodada em relação aos jovens negros que estão sendo mortos todos os dias pelo racismo institucional e pela força do crime organizado, entranhado no país, nas organizações governamentais”, disse Daivison.

CHEILA MARINA DE LIMA - “Dos 52.260 brasileiros mortos por homicídio em 2010 – 27,3% de óbitos a cada 100 mil habitantes –, 70,2% eram jovens, negros/pardos.  É intolerável para o país sustentar essa situação contra nossos jovens que morrem de violência, agressões, homicídios, quedas, acidentes de trânsito etc. Isso significa uma perda de 2% do Produto Interno Bruto. Ou seja, bilhões de reais que poderiam estar sendo usados em outras áreas e poderíamos ter nossos jovens”.

MÔNICA OLIVEIRA - "Meu filho é um jovem negro de classe média. E eu também tenho medo que ele saia e não volte" diante dos questionamentos sobre a legitimidade? do Plano Juventude Viva. A diretora de programa destacou ainda que esses/as jovens não podem ser vistos como pessoas que não aproveitam as oportunidades, pois o "Plano só existe porque foi colocado como principal prioridade que saiu da Conferência Nacional da Juventude". E completou: "Essa capacidade política precisa ser respeitada, o movimento precisa respeitar, o governo precisa respeitar. A vitimização é uma condição, mas o protagonismo também é", finalizou emocionada.

DAIVISON FAUSTINO - Mais que simplesmente mostrar dados, ele buscou incitar o público a refletir sobre determinadas inquietações, questionando como a vulnerabilidade e estigmatização da situação do jovem negro vira alvo das políticas públicas; o que se pode esperar do Estado, quanto ao aperfeiçoamento institucional, no que tange também a profunda discussão e mudança comportamental quanto ao racismo institucional; e se estamos, enquanto sociedade brasileira, dispostos a ir além do Plano da Juventude Viva.

MOÇÃO – Proposto pelos participantes do evento para entrega à presidência da Fiocruz. Solicita o empenho no desenvolvimento e ampliação do debate em torno da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), para que esta política seja uma das prioridades da nova gestão da Fundação em 2013. O documento pontua formas de como a Fiocruz pode colaborar com o Plano da Plano Juventude Viva.

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