quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Racismo: velho tabu volta a pairar sobre a indústria da moda

Há quem diga que o racismo é mais do negro do que do branco. Porque o negro não aceita outro negro, e citam-se os eternos exemplos: Pelé só gosta de mulheres brancas, ele até namorou a Xuxa!!! E os jogadores de futebol que só querem as louras!!! Acrescentaria mais um ao senso comum: 99,9% dos clips de funk tiraram as mulheres negras. E, olha que o funk, assim como o samba, tem como berço as ruelas e becos das favelas, cujo contingente populacional é etnicamente negra - ou pretos+pardos, conforme o IBGE. Será que as mulheres negras (pretas+pardas) das favelas não gostam mais de funk, a ponto de os artistas não as enxergarem como consumidoras de seu som?

O capitalismo impõe várias regras, padrões, tempo de obsolescência. Ele nos obriga a consumir o tempo todo, independente de nossas condições financeiras. E, negros e negras, pretos e pardos, mesmo que não reconhecidos, muitas vezes como cidadãos, são vistos como consumidores: de baixa patente, mas consumidores. E, eventualmente, quando questionamentos os padrões impostos, dizem que somos loucos - ou racistas.

Como é o caso da indústria de moda, que determinou um padrão estético para o mundo. Há quem fure estes bloqueios tentando não "por humanidade" acolher a diversidade étnico-racial, mas porque quer conquistar expressivos mercados em que o padrão não é branco euro-norte americano. O bloqueio é tão forte, que o estilista tem que aceitar o outro.

Aqui no Brasil, em vários desfiles de modas, negros e negras já fizeram mobilizações contra o racismo que os impede de serem contratados para trabalhar nas passarelas. Pretos/pardos podem estar sim nos desfiles, como segurança ou nos serviços gerais. Costureiras também, desde que escondidas. O pouco espaço que a mídia nacional deu a estas mobilizações foi extremamente pequeno, quando não taxavam de "reclamações" ou  "queixas", o que demonstra total indiferença à perspectiva da denúncia política destes profissionais de passarela.

Enfim, abaixo uma matéria da Revista Exame fala sobre este tema: racismo na indústria da moda. Claro e evidente que é mais fácil falar desta chaga quando o problema está longe do solo brasileiro. Mas aqui, caros amigos e amigas, também temos nossas mobilizações no mundo da moda.

Mas vamos a matéria da Revista Exame...

Nova York - Em 1973 foi apresentado no palácio de Versalhes o primeiro desfile com ampla presença de modelos negra e, já nos 80 e 90, Imán Abdulmajid e Naomi Campbell eram as manequins mais bem pagas: por que, então, não se completou a normalização e se continua falando em pleno século 21 de racismo nas passarelas?

Há alguns dias, Naomi Campbell (foto), apelidada como a Deusa de Ébano, fechou o desfile de Diane Von Furstenberg na Semana da Moda de Nova York e deixou a concorrência difícil para as demais modelos.

Além de sua amizade com o estilista belga, Campbell representou o apelo que Von Fustenberg, como presidente do Conselho de Estilistas de Moda dos Estados Unidos, tinha feito pela diversidade na seleção de modelos há cinco anos e que, nos dias de hoje, continua sem efeito.

Apoiada em números da edição anterior da semana de moda nova-iorquina (na qual apenas 6% das modelos foram negras, contra 82,7% de brancas) dias depois, Naomi Campbell, junto com sua predecessora no mundo das top models negras, Imán, e a diretora de uma agência de modelos, Bethann Hardison, publicaram uma carta aberta falando do 'ato racista' na moda.

Nesta denunciaram estilistas como Calvin Klein, Donna Karan e Armani, que usam apenas uma, ou até nenhuma modelo negra em seus desfiles e acusaram o mundo da moda de ter se acomodado em sua luta contra a igualdade.

'Retrocedemos', disse Imán em uma entrevista à rede de televisão 'ABC'.

Olhando um pouco para trás na História, em novembro de 1973, no mesmo palco onde Maria Antonieta passou os últimos dias antes de ser decapitada, o mundo da moda quis fazer uma autêntica revolução. Um encontro em Versalhes entre estilistas franceses, como Yves Saint Laurent e Hubert de Givenchy, e americanos, como Oscar de la Renta, Anne Klein e Bill Blass, que destruísse as barreiras e criasse sinergias.

Enquanto as casas de Paris apostaram na sofisticação, a grande contribuição da moda americana a uma indústria e uma arte acusadas de 'eurocentrismo' foi demonstrar com uma alta presença de modelos negras que estas poderiam ter um papel, além da cota de exotismo graças a rostos como o de Sandi Bass.

Os efeitos foram quase imediatos: em 1976 foi descoberta a primeira supermodelo negra e a mais famosa de todas, a britânica Naomi Campbell, que no auge das supermodelos formou o 'quarteto de ouro' junto com Claudia Schiffer, Cindy Crawford e Linda Evangelista.

Waris Dirie, Tyra Banks, Vanessa Williams e Veronica Webb solidificavam o que parecia ser o caminho para a 'normalização' das modelos afrodescendentes. Mas quando passou o 'boom' das mesmas, começou também o retrocesso na igualdade das modelos negras nas passarelas.

Em julho de 2008, a revista 'Vogue' publicou um artigo intitulado 'É a moda racista?', fazendo o primeiro apelo para a problemática. Passados cinco anos, o jornal 'The New York Times', no dia 7 de agosto do ano passado, publicou um artigo intitulado 'O ponto cego da moda'.

Os motivos? Estilistas e agências de modelos passam a batata quente e não tem quem fale sobre o problema de representatividade da raça negra nas elites que atinge o campo da moda (e, por ali, o conceito 'modelo' tem que ser representativo disso) ou a desculpa que o branco é uma opção estética, por isso pedir o contrário seria um atentado contra a liberdade criativa.

No entanto, o auge das modelos asiáticas, vinculado diretamente com a importância dos consumidores da Ásia no mercado da moda, parece não responder a esses mesmos argumentos, da mesma forma que os estilistas tão conhecidos como Jean-Paul Gaultier e Tom Ford apostaram pela diversidade e triunfaram.

Em declarações ao 'The New York Times', o brasileiro Francisco Costa, diretor criativo da Calvin Klein, assegurou que há poucas modelos negras cotadas, como Malaika Fith (o primeiro rosto negro em uma publicidade da Prada), e que respeitar a cota implicaria contar sempre com as mesmas.

Já Riccardo Tisci, estilista da Givenchy preferiu não falar de racismo e sim de um sentimento muito menos meditado: pura preguiça. 'É mais fácil que sejam brancas porque é ao que estamos acostumados', disse. EFE

Fonte: http://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/noticias/acusacoes-de-racismo-voltam-a-pairar-sobre-a-industria-da-moda

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