quinta-feira, 27 de junho de 2013

Movimentos Sociais: fórum publica manifesto sobre protestos

O Fórum de Articulação com os Movimentos Sociais da ENSP acaba de publicar um manifesto sobre os protestos populares que vêm sendo realizados no país. 

No documento, os membros integrantes do Fórum defendem ser difícil avaliar um processo histórico em curso, cujos desdobramentos, a partir das respostas governamentais e das iniciativas do poder do Estado, ainda não estão claros. 

Eles destacam, ainda, ser indispensável um posicionamento inicial até mesmo para acompanhamentos dos fatos e reavaliação posterior, se for o caso.

Confira, abaixo, o documento na íntegra.

A instituição de fóruns de discussão se insere na nova política de Direção da Escola e visa alcançar o debate com uma comunidade mais ampliada de pares, para criar e fortalecer espaços de diálogo. 


Além de outras frentes, a Escola pretende contar com a participação desses movimentos para refletir sobre os desafios da saúde pública e sua própria formação, tendo em vista o enfrentamento desses desafios.

Fonte:: http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/33010


NOSSA POSIÇÃO SOBRE OS PROTESTOS POPULARES DE JUNHO

As manifestações de rua que, a partir de 6 de junho de 2013, na cidade de São Paulo, se irradiaram, para o país, foram caracterizadas pela grande mídia inicialmente como expressão do vandalismo dos
movimentos e grupos, especialmente do Movimento Passe Livre que as desencadearam. A grande mídia
apoiou abertamente a repressão contra essas manifestações que, entretanto, a partir de 13 de junho, tomou um caráter massivo. A violência da repressão policial acabou por atingir os próprios jornalistas.

Ao mesmo tempo, outras bandeiras, além do cancelamento do reajuste das tarifas e a reivindicação do
transporte gratuito, foram levantadas, a exemplo de “saúde e educação no padrão FIFA” e “contra a PEC 37”. Tais fatos conduziram a mídia a tentar se identificar com os protestos e atribuir a estes o sentido de um movimento contra a corrupção governamental. Por outro lado, a ausência de uma liderança reconhecida e o caráter apartidário das manifestações em meio à pluralidade de reivindicações parecia indicar um processo difuso e sem direção.

A tentativa da grande mídia de manipular os protestos contra o governo fez muitos analistas e lideranças políticas governistas saírem do imobilismo causado pela surpreendente irrupção dos protestos após décadas de aparente conformismo. Formularam então a hipótese da ameaça da direita e do fascismo, encontrando, na recusa à participação dos partidos nas manifestações, o atestado de seu julgamento.

Nossa opinião se contrapõe a essas interpretações e julgamentos. Sabemos ser difícil avaliar um processo histórico em curso, cujos desdobramentos, a partir das respostas governamentais e das iniciativas do poder do Estado, ainda não estão claros. Pensamos, contudo, ser indispensável um posicionamento inicial até mesmo para acompanhamentos dos fatos e reavaliação posterior se for o caso.

O conformismo político em que o país aparentemente estava imerso rompeu-se com o agravamento da
situação social oriunda da alta do custo de vida (e da inflação) e da falta de perspectiva de crescimento
econômico. Aparentemente apenas, porque ao longo da última década não deixaram de ocorrer lutas e
protestos. Ficaram, contudo, isoladas, pois não encontraram nos movimentos sociais e partidos de
esquerda, então institucionalizados, um canal de expressão e de organização. Estes, por sua vez, passaram a acreditar que a democracia formal poderia conter em si, mediante a renovação eleitoral de mandatos populares, as possibilidades de enfrentar a profunda desigualdade social reinante no país em meio à persistência da pobreza, agora oficializada. Acabaram inclusive por favorecer, mediante o jogo de distribuição de cargos necessários à composição de maioria governamental, a diluição das fronteiras
ideológicas e o avanço do conservadorismo até mesmo no plano dos direitos humanos, como ilustra o
projeto de decreto legislativo da chamada “cura gay” aprovado na Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados.

Estamos diante de um novo momento histórico. Os protestos massivos de junho de 2013 romperam o
imobilismo social, trazendo para as ruas os setores mais ativos de diferentes classes sociais, o que se
expressou nas reivindicações e palavras de ordem apresentadas nas manifestações. Mas em sua maioria e na forma predominante, os protestos tem um programa de luta pela efetivação de direitos em torno do
transporte, da educação e da saúde, reconhecido inclusive pela presidente da República como a “voz das ruas”.

Protestos específicos que manifestam interesses das classes trabalhadoras das cidades e do campo e buscam a efetivação de direitos sociais mediante serviços públicos, contrariamente à mercantilização expressa na forma de parcerias público-privadas na gestão e no financiamento das políticas públicas.

Os protestos são contra os governos, nos diferentes níveis de autoridade, mas não contra um único governo ou legenda e nem contra o Estado, uma vez que buscam reformas. Importa ressaltar que os movimentos se recusam a delegar vontade aos governantes; procuram negociar mas se mantém organizados sob a forma de plenárias coletivas, forma na qual todos tem direito a voz e se busca construir o consenso em torno dos encaminhamentos da luta.

Todas essas características dos protestos até o momento nos levam a descartar a hipótese da direitização ou do conservadorismo e, ao mesmo tempo, de golpe militar, embora setores da direita possam tentar se aproveitar dos mesmos. Preocupa-nos, porém, a violência desencadeada contra as manifestações populares, desde a simbólica (acusações de “vandalismo”, desinformação sobre os números reais e as motivações dos protestos, etc.) à escalada da repressão policial, acompanhada do uso de controle das comunicações dos celulares e das câmeras de controle do trânsito, como ocorreu durante o protesto de mais de um milhão de pessoas na cidade do Rio de Janeiro no dia 20 de junho.

Em decorrência, a desmilitarização das polícias estaduais, uma herança do regime militar presente até hoje, a democratização dos meios de comunicação e a liberdade de expressão e de organização são reivindicações políticas emergentes.

A resposta do governo federal ao clamor das ruas foi apresentada na reunião da presidente Dilma Roussef e seu ministério com governadores e prefeitos das capitais no dia 24 de junho sob a forma de uma proposta de pacto nacional por responsabilidade fiscal, educação, saúde, transporte e reforma política. O fato de incluir a responsabilidade fiscal, quer dizer, de pretender garantir os direitos sociais sem aumentar a tributação, deixa patente o limite desse pacto, ao deixar à margem as empresas privadas beneficiadas com sucessivas desonerações de impostos nos últimos três anos. O pacto aparece, em sua primeira formulação, um conjunto de respostas tópicas ao invés de reformas estruturais.

No tocante à saúde, as soluções propostas, além de tópicas, como a “importação” de médicos, inserem-se na lógica de privatização do financiamento da saúde, contrária aos princípios que tem orientado
historicamente a luta por este direito social. É o que ouvimos do ministro Alexandre Padilha dizer ao
comentar o pronunciamento da presidente Dilma Roussef no encontro intergovernamental de 24 de junho: o governo pretende aumentar os investimentos em hospitais e unidades de saúde “utilizando inclusive dos mecanismos das parcerias público-privadas”.

Contrariamente a esta perspectiva, tornamos nossas as palavras da Carta “A Saúde que queremos: pública, gratuita e de qualidade” do CEBES e da ABRASCO publicada em 22 de junho, acreditando ser indispensável “frear a perversa mercantilização da saúde já percebida e rejeitada pela população”. A efetividade do direito à saúde supõe, dentre outras medidas, a destinação de 10% das receitas brutas da União para a saúde, introduzir o serviço civil obrigatório para profissionais de nível superior, resgatar o projeto da responsabilidade sanitária entre os três níveis de governo no país e lutar pelo efetivo controle popular da política pública.

Rio de Janeiro, 27 de junho de 2013.
Fórum de Articulação da ENSP com os Movimentos Sociais

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