quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Cinco motivos para adoção das cotas para negros nas universidades brasileiras

Uma contribuição interessante que pode esclarecer dúvidas sobre a reserva de vagas, modalidade de cotas, uma das medidas de Ações Afirmativas, é o texto produzido pelo mestrando do CIAGS/UFBA militante do Movimento Negro,  George Oliveira.

BREVE DEFINIÇÃO: A reserva de vagas (cotas) é um percentual mínimo garantido nos vestibulares para contribuir com a igualdade de oportunidades e tratamento no acesso da população negra às universidades.
Essas medidas especiais e temporárias buscam amenizar/reparar as desigualdades historicamente acumuladas durante e após o regime escravista no país.
1. AS COTAS SÃO CONSTITUCIONAIS
Durante algum tempo, um dos argumentos utilizados contra a adoção das cotas nas universidades era que tais medidas eram inconstitucionais (contrárias à Constituição Federal). Em 2012, o STF (Supremo Tribunal Federal) órgão máximo do poder legislativo julgou as políticas de ação afirmativa para acesso ao ensino superior. 
Esses debates já aconteciam à pelo menos dois anos, com a realização de audiências públicas e consultas às universidades e entidades sociais. Como resultado da votação, os dez ministros (unanimidade) do STF declararam-se favoráveis à medida.
Após essa vitória faltava uma lei que obrigue a adoção das cotas raciais nas universidades e institutos federais. O que aconteceu em agosto de 2012, quando o Senado aprovou a política de cotas para ingresso nas universidades e escolas técnicas federais que já tramitava há treze anos no congresso. Agora aguarda a aprovação da Presidenta (sanção presidencial).

2. AS COTAS MANTÊM OU ELEVAM O NÍVEL UNIVERSITÁRIO
Alguns estudos já foram realizados para avaliar o rendimento dos estudantes que ingressaram nas universidades através do sistema de cotas. Ficou comprovado que o rendimento dos estudantes cotistas foi igual ou superior na maioria dos cursos.
No caso da UFBA (Universidade Federal da Bahia) existe uma análise que foi feita com dados da primeira turma de cotistas que ingressou nessa universidade em 2005. Constatou-se que: em 56% dos cursos, os cotistas obtiveram coeficiente de rendimento (escore) igual, ou melhor, aos não-cotistas. 
Os dados obtidos demonstram que em onze cursos dos dezoito de maior concorrência da UFBA, ou seja, 61%, os cotistas obtiveram coeficiente de rendimento igual ou melhor aos não-cotistas. No curso mais concorrido, o de Medicina, 93,3% dos cotistas obtiveram coeficiente de rendimento entre 5,1 e 10,0, contra 84,6% dos não-cotistas.
Em relação à Universidade de Brasília (UnB) em 2004, 2005 e 2006, mediante vestibulares com dois sistemas de seleção, o de reserva de 20% das vagas para negros e o tradicional, de livre competição. 
Em linhas gerais, no conjunto das três turmas de cada área, os resultados mostraram que em aproximadamente 70% ou mais das carreiras não houve diferenças expressivas entre as médias dos dois grupos ou estas foram favoráveis aos cotistas. 
Constatou-se a ausência de diferenças sistemáticas de rendimento a favor dos não-cotistas, contrariando previsões de críticos do sistema de cotas, no sentido de que este provocaria uma queda no padrão acadêmico da universidade.

3. COTAS E MELHORIA DA ESCOLA PÚBLICA SÃO MEDIDAS COMPLEMENTARES
São comuns declarações do tipo: “Eu sou contra as cotas, para mim deveríamos lutar pela melhorias do ensino público”.
Alguns especialistas apontam que se essa “melhoria” começasse hoje seriam necessários cerca de vinte ou trinta anos para conseguirmos resultados contundentes. Enquanto isso não acontece temos as cotas como medida paliativa, emergencial.
As cotas são medidas TEMPORÁRIAS e não são excludentes à melhoria do ensino público (fundamental e médio). As pessoas e grupos que defendem as cotas também são favoráveis à melhoria das escolas públicas. 
O que acreditam é que não podemos aguardar até que os governos façam maiores investimentos no ensino público para que a população negra tenha acesso ao ensino superior.
4. COTISTAS E NÃO-COTISTAS PRESTAM O MESMO VESTIBULAR
Dizem por aí que entrar pelas cotas é como “entrar pela janela”. As grandes emissoras de televisão reproduzem e massificam esses dois argumentos.
Além de prestarem a mesma prova (vestibular) para ser cotista é necessário alcançar o ponto de corte. 
No caso da UFBA (Universidade Federal da Bahia), o que falta divulgar é a existência do “ponto de corte” que é um limite mínimo de desempenho nas provas, variável a cada ano e estatisticamente determinado em função da média aritmética e do desvio-padrão dos escores parciais dos candidatos não eliminados por ausência ou zero, no conjunto das provas da primeira fase do vestibular.
Mesmo com a mudança no vestibular 2013 (primeira fase através do ENEM), para os cursos de progressão linear (cursos tradicionais), a UFBA manteve o ponto de corte. 
Portanto, os cotistas precisam obter nota superior ao ponto de corte para passar para segunda etapa do vestibular. Outro fato importante é que a reserva de vagas (cotas) só ocorre na segunda fase do vestibular.
5. ESTUDANTES DE ESCOLAS PÚBLICAS E NEGROS SÃO OS PRINCIPAIS CONTEMPLADOS COM O SISTEMA DE COTAS
Por enquanto, o sistema de cotas é definido por cada universidade. 
Existe uma autonomia para que cada uma defina se adotará a medida e quais os critérios (regra do jogo). 
Na grande maioria dos casos, os principais critérios são: origem escolas (escola pública) e, em muitos desses casos destina-se uma parte das vagas para estudantes que se declararem negros ou índios. 
As cotas estão democratizando o acesso ao ensino superior, na medida em que oportunizam, aos historicamente excluídos, o acesso ao ensino público, gratuito e de qualidade.

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Este pesquisador promete outros textos interessantes sobre relações étnico-raciais, como a a acusação de “racismo ao contrário”, sobre o argumento que teremos “dificuldade de se definir quem é negro no Brasil”, ou de que “as cotas acirrarão a disputa racial na universidade“. 
No seu entendimento, "são tantos outros pensamentos conservadores (em sua maioria racistas) que combatemos no dia a dia. Apresentei aqui apenas cinco motivos, temos muito mais. Como dizem os mais antigos: “essa conversa dá muito pano pra manga”.

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